A escritora e filósofa Djamila Ribeiro falou sobre os pequenos avanços das últimas décadas e o longo caminho de luta que ainda é necessário trilhar quando se trata de racismo estrutural no Brasil, relembrando o que era ser uma menina negra no país, nos anos de 1980, no painel “Inovação para Todes”, durante o Impact Brasil 2022.
“O primeiro lugar que uma criança negra tem contato com o racismo é na escola. Na minha época, eu sou dos anos 80, não se discutia esses assuntos, nem no currículo escolar. Era muito difícil a gente se sentir representada. Você ligava a TV, você não se enxergava. As apresentadoras de programas infantis eram todas mulheres loiras de olhos azuis. Nas revistas, a gente não se enxergava. E as pessoas não conversavam sobre esse tema. O que mudou, de quando eu era criança para hoje, é que hoje a gente fala mais e a gente teve algumas conquistas na educação, como a Lei 10.689/2003, que obriga a história africana e afro-brasileira nas escolas. A gente teve alguns ganhos muito importantes, sobretudo no que diz respeito ao acesso à educação e à representação porque na minha época era como se a gente não existisse”, contou.
Djamila falou um pouco também sobre o processo de criação de seu último livro, “Cartas para Minha Avó”, lançado em 2021, que faz um resgate do passado e, como toda a sua obra, tem o peso da ancestralidade. “Foi um livro muito difícil de escrever porque eu resgatei muito da minha história, em formato de cartas para minha avó Antônia, a partir da perspectiva de uma menina negra em Santos (SP), filha de um estivador e uma dona de casa”, afirmou.
De certa forma, a obra da escritora está sempre em contato com essa questão da origem do povo negro que foi trazido escravizado para o Brasil. “Se a gente não sabe de onde a gente veio, é muito difícil saber para onde a gente vai”, disse ao explicar que, diferentemente dos descendentes de imigrantes europeus que vivem no Brasil, as pessoas negras só conseguem descobrir suas origens por meio de exames de DNA, já que o país apagou os registros de escravizados trazidos para cá por séculos. “O Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão e, depois, destruiu todos os documentos referentes à escravidão. Isso é muito cruel porque é como o estado brasileiro age: vamos fingir que aquilo não aconteceu”, contou.
Para Djamila, a ancestralidade é muito importante para a identificação do eu e também para a visão de mundo. “Fica uma lacuna na construção da nossa identidade. Eu sei que meus ancestrais eram africanos, mas eu não sei exatamente de que país. A África é um continente com 55 países, culturas diferentes… O quanto isso afeta a construção da nossa subjetividade? A conexão com a ancestralidade é importante porque a gente elabora o mundo a partir de outra perspectiva. Quando eu soube quem foi Carolina Maria de Jesus, eu pensei ‘eu posso ser escritora’”, disse.
Levar esse discurso mais profundo para a mesa de negociação com os anunciantes foi um desafio no início, mas se mostrou necessário quando a escritora percebeu que as marcas estão inseridas na sociedade e não podem ignorar essa realidade. “Se a sociedade brasileira é uma sociedade marcada por profundas desigualdades e essas empresas estão localizadas aqui nesta sociedade, as pessoas que ali trabalham também foram ensinadas a reproduzir esses olhares. Elas não estão descoladas. Hoje muitas empresas, por exemplo, fazem campanhas e apanham na internet justamente por não ter esse conhecimento, de que aquele termo é ofensivo, de não conhecer a história daquele povo, por só comunicar a diversidade, mas não tem diversidade dentro da empresa”, pontuou.
E o que fazer para não errar mais? A escritora chama a atenção para a construção da empatia. “Primeiro, a gente precisa entender que eu posso construir empatia e isso que é importante: vai exigir trabalho. É um processo. Não é uma coisa que a gente vai acordar e dizer: peguei o vírus da empatia. Não. Vai exigir que você ponha a mão na massa. A gente pode se perguntar: eu vou ser um agente de dor ou um agente de transformação? E quando a gente pensa que isso não tem nada a ver comigo, é mimimi, a gente está sendo um agente de dor”, disse.
Clique para assistir ao painel: