Em tempos de mudanças de hábitos em que trabalhamos, compramos produtos e até nos relacionamos de formas diferentes, um questionamento que surge é: como eu adapto meu negócio para gerar mais valor para o consumidor, nessa nova realidade?
No painel “Pivot to growth: a business experience”, Baiju Shah (CSO da Accenture) apresentou um estudo interessante sobre qual caminho tem sido convergente em empresas que possuem crescimento sustentável. O executivo apontou como resposta o Business Experience (BX), uma evolução do conceito de Customer Experience (CX). Ou seja, enquanto o CX foca em otimizar os pontos de contato do consumidor com determinado produto/serviço, o BX coloca toda a corporação com um propósito de criar soluções para atender às necessidades do cliente. Segundo Baiju, empresas que têm esse conceito de gestão crescem seus lucros seis vezes mais rapidamente que seus pares – e de maneira duradoura.
Para aplicação dessa nova maneira de encarar o business, o estudo elenca quatro pilares de sustentação:
1. Obsessão com as necessidades dos clientes, inclusive como uma bússola para os negócios. Esse pilar reforça a importância de se utilizar todas as ferramentas possíveis para identificação das necessidades dos clientes, para além das ferramentas tradicionais. Utilizar-se de análises quali e quanti com foco no entendimento das demandas do público, especialmente as não atendidas.
2. Tornar a inovação da experiência um hábito do dia a dia. Os líderes que aplicam este conceito precisam mudar a cultura da empresa. A ideia é colocar a inovação da experiência em todas as camadas da organização: produto, serviço e negócio. Além disso, é vital envolver consumidores e colaboradores nesse processo de inovação.
3. Expansão da cultura de experiência por toda empresa. Todas as áreas da empresa são conectadas pelo mesmo propósito: obsessão pela experiência do consumidor. Esse precisa ser o norte de todos na empresa, e a mensuração de performance tem que refletir essa diretriz.
4. Sincronização de tecnologia, dados e experiência do consumidor. A maioria das empresas ainda atua com significativa segmentação entre esses temas e os líderes de empresas ‘BX’ conectam esses três drivers, mapeando quais experiências podem ser criadas a partir de novas tecnologias e plataformas de dados, assim como quais são as plataformas necessárias para sustentar essas novas experiências desenhadas.
A importância dessa experiência do consumidor também apareceu sob outras formas em outros painéis do festival. A mesa “Immersive retail: connected shopping in a new era” pautou o momento impar em que vivemos, no qual o digital ganha espaço na consideração de compra com atributos fortíssimos. Entre eles, a comparação de preços e a evolução de tecnologias, como a realidade virtual (VR) e a realidade aumentada (AR). Todo esse contexto ajuda a diminuir a relevância do varejo físico tradicional, o que não deve fazer esse modelo perder força, mas sim transformá-lo em um destino de experiência.
Tendo esses painéis como referência, seria fácil elencar alguns exemplos da indústria varejista, como Best Buy – referenciado no primeiro painel citado neste artigo – ou alguns dos inúmeros exemplos de tecnologia AR e VR sendo implementada de forma brilhante em varejistas de moda. Porém, preferi trazer aqui detalhes de duas indústrias que tenho acompanhado de perto e que estão passando por uma revolução em seu modus operandi de atendimento. São elas os serviços financeiros e o setor automotivo.
A experiência de consumo no varejo financeiro e automotivo
No setor de serviços financeiros brasileiro a digitalização – acelerada pela pandemia – traz consigo uma agenda de modernização do Banco Central, acompanhada por novos players digitais capitalizados que ameaçam a hegemonia dos grandes bancos. Soma-se a isso uma estrutura de atendimento físico que começa a não fazer sentido da maneira como está estabelecida hoje.
Para reflexão de caminhos a se seguir nesse segmento, trago o case do Capital One, banco norte-americano que redesenhou a experiência de seus clientes a partir de cafés espalhados pelo país. Esses espaços contam com três frentes de experiência:
1. Relax and Recharge – espaços de encontros e trabalho com café e padaria próprios;
2. Get your banking done – com todos os serviços bancários pensados para extirpar a burocracia, garantindo atendimento personalizado, promoção de workshops e até ‘money coaching’ para auxiliar os clientes com planejamento financeiro; e
3. Connect with your community – espaços cedidos às comunidades locais para usos diversos, como clubes de alunos, reuniões de instituições sem fins lucrativos ou para sediar eventos.
A Capital One não quer oferecer só um banco, ou mesmo revolucionar a operação – coisa que as plataformas digitais já endereçam. A ideia aqui é trazer um lugar para curtir, um destino de lifestyle. Um hub de varejo financeiro que oferta atendimento sob medida, e que se preocupa inclusive com a alavancagem de iniciativas locais.
Já no setor automotivo, diversos são os questionamentos sobre o modelo de negócio. Desde a comercialização ainda muito dependente das concessionárias, passando pelas dificuldades de se vender o veículo ou mesmo o fato de se ter um bem de alto valor agregado que fica parado grande parte do tempo (calcula-se que 96% do tempo útil do veículo é despendido em estacionamento). Na outra ponta, ainda há a questão inegável da poluição ambiental.
Nesse sentido, as montadoras seguem tirando do papel iniciativas que enderecem esses pontos. E vale lembrar que a própria pandemia acelerou algumas ações de experiência de consumo, como a compra online ou até o modelo de assinatura de veículos.
Como referência internacional de experiência trago o case da Link&Co, marca de automóveis do grupo Geely. Para facilitar a vida de seus clientes, a empresa colocou à disposição uma série de opções, como:
Compra tradicional ou assinatura mensal sem multa de rescisão, com seguro e serviços de manutenção inclusos. Na modalidade de assinatura, a empresa proativamente identifica problemas no carro e agenda com você a retirada e devolução do veículo.
Somente duas opções de carros, ambos com eletrificação, porém um deles sendo totalmente elétrico plug-in (phev) e outro híbrido (hev). Ambos são completos para que você não tenha que negociar upgrades.
Possibilidade de compartilhamento (aluguel) do seu veículo pelo preço que quiser a partir de plataforma própria. Nessa modalidade, o cliente gera uma chave virtual para que não tenha que compartilhar a sua própria chave com ninguém (nem é preciso encontrar com o locatário).
Concessionárias se tornaram espaços de convivência, sustentáveis e conectadas a artistas locais. Esse modelo já foi oficialmente lançado em duas cidades, Amsterdã e Gotemburgo, porém com a chegada da pandemia aguarda o momento ideal e seguro para receber shows e eventos noturnos. São espaços que incluem até sauna para relaxar e, claro, carros em exposição com possibilidade de test-drive também.
Todos esses serviços, pensados sobre o prisma da experiência do consumidor, fazem parte de uma jornada de construção de marca com propósito. A ideia é que a marca e seus produtos reflitam não só uma relação comercial, mas uma relação de convergência de valores. Uma marca que se preocupa com meu tempo, que se preocupa em como me sinto e que compartilha a mesma visão de mundo que a minha, é a marca que eu tenho orgulho de usar seus produtos e serviços.
E sua empresa, caro leitor, está em busca de se tornar uma empresa de “business experience”? Conta pra gente.