Skip to content Skip to footer

Bens de consumo e o multiverso tech, por Emily Guarnieri

“Há pouco mais de 20 anos, a resposta era óbvia: comprar. A tecnologia e softwares nas empresas eram vistos como despesas, como algo de backoffice. Se questionasse se o sistema de finanças deveria ser desenvolvido na empresa ou comprado de um fornecedor, não haveria nenhuma dúvida. Tecnologia da Informação era vista como sistemas operacionais, de cunho nada estratégico, era o controle de computador para funcionários ou a gestão e manutenção das impressoras. No entanto, isso mudou porque as empresas geram valor por interfaces de software, porque é isso que está na frente do consumidor gerando sua experiência com as marcas”.

Essa foi a resposta dada por Jeff Lawson, co-fundador e CEO da Twilio, à Werner Vogels, Vice-Presidente e Chief Technology Officer da Amazon.com, no painel “Every Company Needs to Become a Software Company”, no SXSW 21. A declaração atendia ao pedido para que o executivo comentasse a frase “A mudança de ‘construir x comprar’ está mudando para ‘construir x morrer’”.

“Não é somente sobre ser digital. É importante estar no digital, porque lá você pode servir seus consumidores de uma maneira melhor”

Uma afirmação incrivelmente atual, especialmente pela maneira como, no último ano, ao fazer dos negócios digitais uma necessidade, a pandemia nos deu a prova final de que toda empresa deve se tornar uma companhia de software para sobreviver.

Algo válido para qualquer tipo de empresa, não apenas digital, mas para todas cujos líderes se voltam para seus desenvolvedores com uma direção estratégica bastante clara: a necessidade de geração de valor. No lugar de invejar as ágeis máquinas de inovação do Vale do Silício, qualquer empresa pode aprender como se tornar uma, explorando o poder do software, liberando a criatividade de seus desenvolvedores e eliminando a divisão entre seu pessoal técnico e seus líderes de negócios.

Na conversa, Jeff também afirmou que a revolução provocada pelas startups não existe somente por que elas são grandes desenvolvedoras de software, mas sim por que elas ouvem os consumidores, entendem quais dores eles têm e constroem soluções para essas dores. Destacou, ainda, como essas soluções passam pela validação dos consumidores, ou em inglês, o famoso Customer Validation. Esse é o fator que abre o espectro de atuação das companhias, porque não necessariamente uma dor de consumidor se resolve com a próxima variante de um produto – um sabor diferente, um aroma ou a adição de algum composto oriundo de algum país estrangeiro.

E para a indústria de bens de consumo, a importância dessa transformação vai além da aplicação da tecnologia e entra na necessidade de transformação nos modelos do negócio e dos processos.

Aprendizados para o setor de Bens de Consumo

“Não é somente sobre ser digital. É importante estar no digital, porque lá você pode servir seus consumidores de uma maneira melhor”. Essa foi outra frase de Werner que me fez refletir.

As oportunidades para a indústria de bens de consumo estão aí, na mesa, e são intrinsecamente relacionadas às oportunidades do varejo. Lealdade e clubes de compra, geolocalização, comparação de preços, beacons, VR/AR, wallets e formas de pagamentos, delivery de comida, e muitas outras coisas estão acontecendo, agora. Como começar e aproveitar as oportunidades?

Segundo Jeff, a maneira de fomentar inovação e ser realmente uma empresa de software, ou que utiliza software para servir melhor seus consumidores, é criar times menores, dando uma missão e propósitos claros, objetivos e resultados-chave (OKRs) e só assim, essa equipe pode ser dona das dores dos clientes e resolvê-las com autonomia.

Será que um dia, as empresas de bens de consumo também repensarão o glossário tradicional de negócios das empresas para o das startups?

E a ideia de que uma empresa de bens de consumo pode ser uma empresa de software pactua com as premissas básicas da indústria que são os pilares de desenvolvimento de mercado: ganho de penetração, frequência de uso e compra e aumento de gasto médio, ou ticket médio. Se você, como companhia, resolve uma dor relevante do seu consumidor, você consegue escalar rápido e mais exponencialmente através do digital. Entra em mais lares, fala com mais pessoas, atinge lugares com uma rapidez e facilidade que um crescimento físico não permitiria.

Será que um dia, as empresas de bens de consumo também repensarão o glossário tradicional de negócios das empresas para o das startups? Aquele de ideias de mudança incremental para ideias inovadoras; de desenvolvimento longo e sequencial para ciclos rápidos e com prototipação; de processos de decisão lentos e baseados em pessoas para decisões rápidas baseadas em dados; de aversão para orientação ao risco; de ROI imediato para quantos consumidores percebem o valor no que oferecem; de Ebitda para valuation; e de market share para lifetime value?

Yuval Harari, em seu livro “Homo Deus, uma breve história do amanhã”, nos traz uma reflexão de que o conhecimento é uma poderosa fonte de crescimento de recursos. “A tradicional visão do mundo como uma torta com um tamanho pré-fixado pressupõe que só existem dois tipos de recursos: matérias-primas e energia. Mas, na verdade, são três: matérias-primas, energia e conhecimento. Matérias-primas e energia são esgotáveis – quanto mais se usa, menos se tem. O conhecimento é um recurso em crescimento – quanto mais se usa, mais se tem. Quando você aumenta seu repertório de conhecimento, ele é capaz de lhe dar mais energia e mais matérias-primas.”

Ou seja, trazer conhecimento, tecnologia e dados para dentro da empresa proporciona uma sólida possibilidade de uma companhia ser e fazer mais.

Cases de sucesso no Brasil

Acompanhar a discussão me fez refletir sobre como esse assunto tem movimentado o mercado e negócios também no Brasil. Em 2014, por exemplo, o Magazine Luiza criou o Luiza Labs, um laboratório de Tecnologia e Inovação, dentro do núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento, com o objetivo de criar produtos e serviços com foco no varejo, oferecendo aos clientes mais benefícios e uma melhor experiência de compra. Formada por um grupo de engenheiros e desenvolvedores, a estrutura viabiliza projetos de inovação para todos os canais de venda da companhia. Um caminho de inovação que nem sempre foi fácil. Para começar, os desafios culturais foram muitos. Foi preciso uma jornada de inovação, muitos erros e acertos para que, de 2014 a 2021, a equipe da Luiza Labs pudesse desfrutar de resultados incríveis como, por exemplo, aumentar de 8 para 50 uploads diários de códigos e melhorias de tecnologia, ou a conquista de 25 milhões de clientes com um e-commerce que cresceu 93% em 2019 e hoje representa 48% do faturamento.

Outras empresas já entenderam que não vendem mais somente produtos e estão expandindo suas atuações para serviços, como é o caso de OMO com a OMO Lavanderia, Nestlé com o aplicativo Vem de Bolo, que ajuda boleiras a venderem seus bolos, e Ambev com o Zé Delivery, aplicativo de entrega de bebidas. Segundo dados levantados pelo JP Morgan, o Zé Delivery foi baixado 3,3 milhões de vezes em 2020, ante 1,47 milhão durante 2019. O número de usuários ativos do Zé Delivery foi de 524 mil por dia no terceiro trimestre de 2020, mais de quatro vezes a média de 2019. Agora, a possibilidade de gerar a experiência de interagir, se informar, comprar e receber a bebida em casa, é muito mais poderosa para o negócio porque representa conexão com este consumidor.

“No lugar de invejar as ágeis máquinas de inovação do Vale do Silício, qualquer empresa pode aprender como se tornar uma, explorando o poder do software, liberando a criatividade de seus desenvolvedores e eliminando a divisão entre seu pessoal técnico e seus líderes de negócios”

Um fator importante a ser lembrado, que fica claro quando analisamos todos esses cases, é que se tornar uma empresa de software, que agrega tecnologia em seu dia a dia, desenvolve e cultiva talentos, e gera valor para seus consumidores não é algo que acontece da noite para o dia.

Quando inovações ou projetos são apresentados às lideranças das empresas para serem aprovados, eles contam com os desenhos de investimento, projeção de ROI, ganhos, resultados e também faz parte das estimativas o cenário “do nothing” (não fazer nada), que é o quanto a empresa vai deixar de ganhar caso ela não trabalhe determinada oportunidade.

Considerando a velocidade em que as coisas estão mudando e a competitividade que o mercado demanda, não fazer nada pode custar tudo. Por isso, para o bem do mercado e da sua empresa, do something!

Sign Up to Our Newsletter

Ritatis et quasi architecto beat

[yikes-mailchimp form="1"]