O que leva um profissional em ascensão em uma das maiores empresas de varejo do Brasil a se mudar para um unicórnio? Celio Guida, então head de Midi, Business Intelligence e Performance, que está assumindo como Diretor de Marketing & Performance da MadeiraMadeira, scale-up que, em janeiro deste ano, tornou-se o décimo sexto unicórnio brasileiro, afirma que essa pergunta não é tão simples de ser respondida, além de depender de muitas variáveis. Mas em seu caso, contam o fato de poder crescer junto com uma digital first com grandes ambições e diversas possibilidades a serem exploradas. Celio compartilhou esse momento com o Marketing Future Today, mas também trouxe insights, aprendizados e os desafios do líder de marketing moderno.
Marketing Future Today – O que o levou a tomar essa decisão e o que você espera dela?
Celio Guida – Foi uma decisão difícil, porque tenho um carinho enorme pelo Grupo Boticário. Mas depois de quase uma década de consultoria e dois intensos anos em uma das empresas mais importantes do varejo brasileiro, fazer a transição para uma empresa digital first, que recém alcançou o status de unicórnio, em um momento de scale-up, com ambições enormes e diversas avenidas de crescimento a serem exploradas fez total sentido para o meu momento pessoal e de carreira. Sem dúvida o ambiente de uma empresa em crescimento acelerado promete muitas emoções e, com elas, sempre muito aprendizado. Mas além da empolgação natural de ingressar em um novo ciclo, uma das coisas que mais me motiva é fazer parte do time que tem como desafio reinventar a maneira como as pessoas montam suas casas.
MFT – Como você compara os aprendizados no Grupo Boticário e os desafios agora na MadeiraMadeira?
Celio – Existem alguns elementos compartilhados pelas empresas do varejo como um todo. De uma maneira geral, todos os negócios estão inseridos em um ambiente instável, em que os avanços tecnológicos e queda das fronteiras entre canais tornam a operação mais complexa. As marcas perdem o protagonismo, agora ocupado pelos consumidores – cujo nível de exigência é cada vez maior. Entender essa nova dinâmica e me dedicar ao desenvolvimento de um conhecimento profundo sobre o consumidor foram fundamentais no meu processo de amadurecimento enquanto executivo de marketing. Todas as evoluções em mídia, avanços em martech, mudanças organizacionais e de mentalidade serviram a esse propósito e nos ajudam a focar em produtos e soluções que são relevantes para nossos consumidores, assim como selecionar os parceiros de negócio corretos e definir prioridades. Em uma empresa nativa digital, a velocidade das mudanças e o apetite por inovação são diferentes. Nesse cenário é ainda mais importante garantir que o espírito empreendedor esteja sempre vivo, estimulado por uma mentalidade questionadora, que desafie constantemente o status quo em busca de aprimoramento.
MFT – O que o olhar de consultoria te ajudou na compreensão do novo mundo do marketing e mídia?
Celio – Na consultoria, grande parte dos projetos em que estive envolvido foram de transformação. Independente do segmento – varejo, serviços financeiros ou até setor público – sempre havia a questão latente de adaptar um negócio a um novo contexto. Esse tipo de experiência me ensinou a ter uma abordagem sistemática e estruturada, capaz de acelerar a mudança mesmo em meio a um ambiente repleto de volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade. Na minha visão, o pragmatismo orientado a resultados, a base analítica sólida e uma estrutura de pensamento baseada em hipóteses e dados foram cruciais para aprender a navegar nessa nova forma de fazer marketing: mais analítica, data-driven e estratégica.
“A exposição a diferentes tipos de negócios, em indústrias e segmentos variados também criou certo “desapego” ao passado. Depois de um determinado número de projetos, questionar o status quo, formular hipóteses e testar novos caminhos de crescimento se tornou um hábito. E não é isso o que mais fazemos no marketing atualmente, com testes multivariados e modelos de mensuração e atribuição sempre em evolução?”
MFT – O que mudou no que chamamos de marketing de performance, como evoluiu e o que é premissa para a posição hoje?
Celio – Os últimos anos acabaram com qualquer dúvida sobre a aceleração dos canais digitais. O meio online não só evolui ano contra ano, mas se transforma – rápida e constantemente – criando um consumidor cada vez mais decidido e exigente. Isso fomentou avanços consideráveis no marketing, ao mesmo tempo que exigiu das empresas operações estruturadas para dar aos seus consumidores a experiência que eles esperam: particular, personalizada e relevante. A evolução do marketing de performance passa por uma demanda crescente por inteligência de negócio, domínio técnico das plataformas e, é claro, robustez e maturidade em dados. Os principais desafios hoje estão em como mensurar corretamente cada impacto gerado, não se restringindo ao chamado “last click” (o último clique antes de uma compra), mas construindo modelos próprios de atribuição e avaliando o peso que cada etapa da jornada do cliente tem na decisão de compra. O marketing de performance revolucionou a forma os departamentos de marketing são vistos, uma vez que esses times conseguem comprovar com boa precisão os impactos das suas ações. Agora, além das visualizações, cliques e outras métricas chamadas “pré clique”, podemos avaliar o os efeitos no negócio e calcular o retorno sobre investimento e até a margem final de contribuição pós marketing. No entanto, essas características frequentemente levam empresas a cometerem um erro comum: separar o marketing de performance do resto e, com isso, perder a visão do todo. Por isso, uma premissa fundamental para um trabalho bem sucedido é nunca perder a visão completa do funil de marketing. Sem o entendimento completo da jornada do consumidor, com clareza de todas as etapas (de awareness a conversão), as análises se tornam insuficientes e o entendimento do consumidor, fragmentado.
MFT – O que é inovação neste contexto e o que é tendência?
Celio – Analisando a velocidade das transformações recentes, não é fácil cravar as tendências. Mas há algumas evidências de que o ritmo de aprendizado contínuo e rápido, maior conexão entre marcas e consumidores e o foco crescente em dados e performance de conteúdo continuarão sendo críticos para um bom resultado. Mais do que nunca, será necessário equilibrar as pressões de curto prazo e os objetivos da marca em um futuro mais distante, construindo marca por meio de co-criações com os consumidores e valorizando genuinamente cada etapa de suas jornadas. Os desafios resultantes das leis de proteção de dados e regulamentações de privacidade tendem a complicar a operação, e certamente vão exigir das empresas mais esforço para a captura de dados. Daqui em diante, além da menor disponibilidade, será preciso estimular o compartilhamento espontâneo de informações (o chamado “zero party data”) – e isso demanda recompensas relevantes ao consumidor. Nesse contexto, em que marketing e tecnologia se fundem, a inovação ganha um universo de possibilidades.
“As próximas novidades, como o 5G, podem trazer novas formas de experimentação como superfícies de alta definição e internet tátil, mas atenção – nem toda inovação é tecnológica. Costumo dizer que inovação sem funcionalidade é como uma lâmpada sem energia: de que adianta? É preciso ter sempre em mente as necessidades do consumidor e a utilidade do que está sendo oferecido”
MFT – Como você enxerga os principais desafios de um líder de marketing atualmente?
Celio – Um líder de marketing deve ser capaz de compreender as mudanças na dinâmica entre marca e consumidor e se adaptar rapidamente a cada novo cenário – nunca tentar lutar contra isso. É fundamental, portanto, facilitar o desenvolvimento de competências analíticas (que vão além da leitura de dados e passam por análises econômico-financeiras também), estimular a especialização em plataformas e criar times híbridos, ágeis e multidisciplinares. Saber lidar com ambiguidade e múltiplas disciplinas em simultâneo (marketing, produto, vendas, tecnologia e inovação) é importante para qualquer liderança moderna, não só no marketing.
“Uma transição de carreira é algo bastante particular e envolve muitas variáveis, mas na minha opinião é importante ter certo destemor profissional. Estamos finalmente saindo de um período de grande insegurança e muita aversão a risco. Esse pode ser um momento propício para explorar oportunidades, viver novas aventuras e explorar nosso potencial em áreas inovadoras”
MFT – O que você diria aos profissionais sobre fazer transições como essa que você está fazendo?
Celio – Uma transição de carreira é algo bastante particular e envolve muitas variáveis, mas na minha opinião é importante ter certo destemor profissional. Estamos finalmente saindo de um período de grande insegurança e muita aversão a risco. Esse pode ser um momento propício para explorar oportunidades, viver novas aventuras e explorar nosso potencial em áreas inovadoras. O caminho é árduo e é preciso ter tolerância a desconforto, mas sucesso e coragem frequentemente andam de mãos dadas.